Bem interessante ver as diferentes formas de compreender e experienciar o hobby que cada jogador e seus grupos têm. Lendo os relatos, vejo que me identifico e concordo com a maior parte do que foi escrito até aqui. E mesmo com aqueles jogadores que conduzem as coisas de uma maneira diferente da minha, eu também consigo me conectar de alguma forma, por entender o porquê de determinado aspecto funcionar bem para ele e seu círculo de jogatina. Fato é que, apesar das particularidades de cada um, como as contas em um colar, existe um fio que conecta todos numa mesma linha: o pensamento de que à mesa, o mínimo de ordem e bom senso é o que se espera dos jogadores; e a ideia de que existe um traço, bem definido -ainda que específico e personalizado para cada grupo -, a separar o comportamento indesejável do desejável.
Para nós que, via de regra, fazemos o papel de anfitrião e gastamos nosso suado dinheirinho com os jogos, penso que muita coisa fica mais fácil a partir do momento em que nos libertamos da expectativa alheia e da necessidade de forçar a barra - muitas vezes fazendo mais do que a gente pode - só para agradar. Somos apegados, ainda, à imagem que o outro fará de nós. Por fragilidade, insegurança, carência ou qualquer outro apelido que se queira dar, estamos sujeitos a abrir mão de ser quem a gente é e negociar nossa espontaneiadade para caber em algum lugar que não é o nosso. Ser verdadeiro é ato que requer coragem. Isso não quer dizer que podemos tratar as pessoas de qualquer jeito. Educação no trato é o básico e o respeito deve vir sempre primeiro. Mas podemos (e devemos) expressar o nosso sentimento com sinceridade e simplicidade, sem a preocupação de sair como o chato da história. Porque, no fim das contas, se não soubermos como os nossos jogos ou a experiência na mesa devem ser conduzidos, acabamos nos perdendo no rumo dos outros, e então cada um acaba fazendo o que achar mais conveniente. Por isso, digo: não tenha medo de parecer chato; não force sua natureza em função dos achismos alheios; e não perca seu sono querendo desfazer a imagem ruim que, por ventura, o outro criou.
A bem da verdade, não existe rótulo mais fácil de colar no boardgamer do que o de chato. A diversão desse espécime, pasmem, tem por príncipio e fundamento: regras. Isso por si só já é a garantia do título de "pessoa metódica" - nada mais que um eufemismo requintado. Soma-se a isso o excessivo cuidado que ele tem e exige pelos componentes dos jogos. Tamanho zelo por seus "brinquedos" desbloqueia em seu currículo o status de meticuloso - para não dizer cheio de melindres. E para fazer o arremate, há, ainda, o insuspeitado detalhe de que, à mesa, existem regras atitudinais a nortear a maneira de se jogar - traduzindo: regras de como se deve aplicar as regras - para que todos tenham uma diversão saudável. A partir daqui, cortesia demais já foi demonstrada, o eufemismo apropriado não se encontra no dicionário e a palavra chato já não dá conta de abarcar sua classificação taxonômica. O boardgamer passa a ser designado por sua máxima patente: "Cruzes... que gente cri-cri e cheia de frescura".
Depois de toda essa reflexão, deixa eu ir ao assunto. Penso que de todos os pontos o que mais me incomoda é a questão do cuidado com os componentes. Felizmente, é algo que só angustia meu coração esporadicamente. Na maior parte do tempo, as pessoas com as quais eu jogo são pessoas bem presentes em minha caminhada, que já conhecem meu jeito de ser e com quem posso conversar francamente (familiares e amigos de longas datas). Ou seja, já estão adestradas ou prontas para levar puxão de orelha sem arrodeio. Mas de vez em quando, abro a mesa para apresentar o hobby para outras pessoas, outros amigos. Nesses casos, fico mais ponderado quando começo a notar os deslizes - mas por experiência, sou mais seletivo no jogo que apresento; jogo de carta, nem em sonho. Mas, o que acontece, na maior parte das vezes, é que as pessoas que eu já eduquei assumem a frente, e falam por mim, geralmente fazendo piada do caso para ficar mais leve ("rapaz, ó pra lá ó, fulano quer ser expulso...não tem medo não"). Quando não acontece dessa forma, ou eu escolho alguém de bode expiatório para receber a chamada endereçada a outra pessoa, ou falo tranquilamente com a pessoa (depende sempre de cada caso).
Quanto à questão de comida e bebida durante o jogo, como diria Barbárvore: "Não existem palavras em élfico, entês ou nas línguas dos homens para uma traição assim". Por aqui não rola. Hora de comer é hora de comer. Hora do jogo é hora do jogo. Não deixo ninguém passando fome. No momento adequado, pausamos, comemos, cada um lava sua mão (e seu prato) e a amizade continua. Já cantava o bode do Deu a louca na Chapeuzinho: "Precaver, precaver, se não quer pagar pra ver. Cuidado é coisa boa de se ter...".
Em relação às questões que podem surgir da jogatina propriamente dita, dessas listadas, acho que a que faz parte da minha realidade é mais a da pausa para análise, mas não é algo que me incomoda. Já o jogador que rouba, depende... Na maior parte das vezes, não ligo e de tão descarado é até engraçado, mas já joguei com uma pessoa que não sabia perder e nem jogo cooperativo perdoava, a ponto de deixar as pessoas na mesa desconfortáveis... Não durou muito no grupo.
Fora isso, não gosto quando a pessoa aparece pra jogar com hora cronometrada para sair, como se fosse uma tarefa que ela tá riscando da sua lista de afazeres do dia. Se for desse jeito, prefiro que deixe para aparecer em outro momento, quando estiver com mais disponibilidade. A boa jogatina tem hora pra começar, mas não tem hora pra terminar. Sou daqueles que gosta de viver o momento.