Por:
Bruno Marchena, tabuleirista soteropolitano comedor de acarajé, amante de Spirit Island, da vida e da luta dos povos e comunidades tradicionais.
I - INTRODUÇÃO
É uma pena que dificilmente veremos muitos jogos diferentes da GMT (https://www.gmtgames.com) girando nas mãos de jogadoras e jogadores brasileiros, com exceção de alguns poucos mais hypados pelas terras de cá, como Dominant Species, Twilight Struggle, Sekigahara, Paths of Glory, dentre outros. Para quem não conhece a GMT, ela é uma editora conhecida por produzir Wargames, CDGs (Card Driven Games), COIN (Counter-Insurgency Games, os meus prediletos) e até 18XX, quase sempre retratando de forma mais refinada a temática histórica em seus jogos. Podemos dizer então que a GMT rema na contramão do que tradicionalmente acontece, por exemplo, na produção dos clássicos eurogames, onde o tema, em geral, é apenas um pálido sopro despejado despretensiosamente sobre o tabuleiro (saudações ao querido Feld).
Com a exceção do Twilight Struggle, que foi lançado no Brasil pela DEVIR, a escassez de jogos da GMT no mercado nacional não é à toa. Os jogos, em sua maioria, precisam ser importados e custam bastante caro, e com o preço do dólar e as taxações alfandegárias não tão carismáticas, a aquisição destes jogos se tornam cada vez mais difíceis. Porém, hoje venho falar de um jogo lançado pela GMT que é pequeno, rápido, simples, mais acessível, porém bastante estratégico e com uma temática histórica lindamente representada: RED FLAG OVER PARIS, 1871 – THE RISE & FALL OF THE PARIS COMMUNE.
II - RESUMO TÉCNICO
RED FLAG OVER PARIS (RFOP) foi lançado no ano de 2021 e já chegou sendo indicado para os prêmios Golden Geek Best Wargame e para o Golden Geek Best 2-Player Wargame. Ilustrado pelo artista Donal Hegarty e de autoria do designer Fred Serval, responsável por um ótimo canal de produção de conteúdo (https://www.youtube.com/c/HomoLudens1871), este belo board game repaginou as mecânicas do jogo Fort Sumter, do Mark Herman, deixando o seu irmão mais velho a léguas de distância em qualidade, beleza, profundidade temática e estratégica. RFOP, segundo o BGG, possui as mecânicas maioria/influência de área, campanha/batalha dirigida por cartas, cabo de guerra, além de ter um modo solitário.
RFOP é um jogo para 1 ou 2 jogadores, cuja partida tem uma duração média de 30-40 minutos (minha avaliação difere da escrita na caixa do jogo), e que retrata a disputa entre os Communards e o governo de Versailles nos dois meses de intensos conflitos armados no ano de 1871, durante a comuna de Paris. Ainda segundo o BGG, o jogo tem um peso de 2.82 de 5, o que acho ser razoável (talvez eu desse uma nota 3).
A Comuna de Paris pode dividir algumas perspectivas historiográficas, mas independente das divergências de olhares, é consenso que a Comuna de Paris foi fruto do acúmulo de experiências e da memória popular das Revoluções de 1830 e 1848 na França e da influência dos pensamentos socialistas da Associação Internacional dos Trabalhadores, sendo expressa com uma peculiaridade sem igual na história das revoluções (a Revolução do Haiti não ficaria para trás!). E o tema, como dito, está muito bem retratado em RED FLAG OVER PARIS.
Como o texto é um pouco longo, caso não se interesse pela temática de RFOP, sinta-se à vontade para pular para o capítulo VI – Detalhes do Jogo. Boa leitura!
III – O(S) PRINCÍPIO(S) DA COMUNA
Para melhor explicar a Comuna de Paris é necessário retroceder anos antes do período retratado no jogo, até chegarmos em 28 de setembro de 1864, quando foi fundada a Associação Internacional dos Trabalhadores – AIT (apelidada de Internacional). Qualquer olhar sobre a Comuna de Paris sem a compreensão prévia da história da AIT resultará numa análise enevoada, que jamais conseguirá captar, em sua mais visceral profundidade, o espírito que motivou milhares de trabalhadoras e trabalhadores e lutar pela construção da Comuna.
A AIT foi uma grande organização do operariado internacional que, numa perspectiva internacionalista, ou seja, pensando a solidariedade dos trabalhadores e trabalhadoras para além das fronteiras nacionais e a revés do sentimento ufanista promovido pelos Estados Nações e Impérios, buscou unir explorados e exploradas em todo o mundo inspirados em princípios de liberdade, apoio mútuo, federalismo e autonomia. A AIT tinha como objetivo não só garantir direitos ao operariado, mas construir também uma nova estrutura social, econômica e política de viver que desinvestia, ou melhor, que subvertia a lógica capitalista desigual, dividida entre os que possuem e os que produzem, os que mandam e os que obedecem, os que enriquecem e os que penam famintos. Longe de centrar-se somente na Europa, continente onde surgiu, a AIT se multiplicou por muitos continentes, influenciando em diversas grandes revoluções ao longo da história, e promovendo a organização da classe trabalhadora em todos os continentes do globo.
Em boa parte da história inicial da AIT, o pensamento hegemônico entre seus membros era o do mutualismo, fenômeno histórico muito disseminado e que teve como seu pensador de maior destaque o francês Pierre-Joseph Proudhon, um autodidata, filho de um artesão e uma cozinheira pobres de uma pequena cidade rural da França. Proudhon foi o primeiro pensador na história a reivindicar-se um anarquista, termo alcunhado para representar o viés de seu pensamento socialista, o mais abundante no período dentro da AIT.
Proudhon foi um dos primeiros pensadores socialistas a criar teses que vieram reverberar de forma muito importante na Internacional. Em sua obra “O que é a propriedade”, por exemplo, criticou ferrenhamente a ideia de propriedade. Para Proudhon, o início da exploração entre humanos acompanha a instituição da propriedade privada, conceituada por ele como a apropriação individual sobre elementos materiais necessários ao sustento e garantia da sobrevivência e das liberdades coletivas.
A propriedade privada seria então o princípio gerador da miséria, pois um indivíduo apropriando-se dos meios de sobrevivência de muitos outros humanos (a terra, por exemplo), a estes muitos restaria como caminho mais curto para a sobrevivência a submissão e a venda de sua força de trabalho ao proprietário por um valor sempre desproporcional ao ganho e acumulação de capital pelo patrão. Temos então como produtos antagônicos deste exemplo o grande fazendeiro latifundiário e o precarizado camponês empregado pelo dono da terra (dono, em geral, como fruto histórico do esbulho e da herança).
Para Proudhon, em resumo, “a propriedade é um roubo” e os meios de produção deveriam ser comuns para produção e distribuição justa e livre entre os trabalhadores, de forma mutualística e cooperativa. Já que as tecnologias e ciências desenvolvidas para o uso e beneficiamento da matéria prima, para a melhor produção e prestação de serviços foram desenvolvidas a partir do acúmulo de incontáveis contribuições coletivas da sociedade através de gerações e gerações de trabalhadoras e trabalhadores, estudiosos, pensadores, cientistas etc., para Proudhon apropriar-se desta obra coletiva, lucrar e explorar outros seres com ela, promover guerras, assédios, prisões, massacres, tudo em nome da propriedade privada, seria a expressão máxima da injustiça e desonestidade e o maior motivo da miséria e da pobreza humana.

Mas diferentemente da equívoca interpretação de muitos, a defesa da propriedade comunal não quer dizer que tudo deveria ser obrigatoriamente compartilhado com todos (ninguém entraria para morar na sua casa quando quisesse, por exemplo!). O que defendia Proudhon é que todos deveriam ter o direito de ter as suas posses individuais, ou seja, aquilo necessário ao próprio bem viver e de sua família, tais como moradia, ferramentas, vestimentas, comida, tecnologias, remédios, livros etc. Mas todas essas posses deveriam ser produzidas por meios de produção coletivos e a partir do trabalho solidário e mutualista entre pessoas (ao contrário da lógica da propriedade privada). Ou seja, todos teriam as posses que seriam produzidas a garantidas coletivamente pelo trabalho de todos, sem patrões e empregados.
A partir do desenvolvimento de sua crítica à propriedade e com a elaboração de sua defesa ao mutualismo como forma de organização econômica da sociedade, Proudhon passa consequentemente a rechaçar qualquer forma então de autoridade e controle centralizado da vida (o aposto à vida coletiva e mútua), defendendo que todas as pessoas deveriam gozar de igualdade econômica e política para deliberar sobre suas próprias vidas pessoais e em comunidade, pautadas pelos princípios da liberdade e solidariedade.
Inspirado por Flora Tristan (uma socialista feminista peruana citada inúmeras vezes pelo autor), Proudhon cria então o “Princípio Federativo”, pautando que unidades produtivas locais, ou “mutualidades” como ele chamou, deveriam se organizar de forma federativa, sendo que a deliberação de todo o organismo deveria ser tão somente a resultante das decisões tomadas por cada associação em suas próprias assembleias de base.
Delegados enviados de cada mutualidade levariam então as deliberações de sua base para um congresso maior com os delegados de outras mutualidades, onde estes delegados buscariam discutir a melhor forma de implementar as necessidades decididas pelas bases, sem jamais alterá-las.
Ou seja, ao contrário do que se vive ainda hoje, quando os governantes e a classe dominante decidem sobre os rumos da economia, da política e da sociedade, Proudhon defendia que as unidades produtivas locais articuladas numa grande federação se organizariam “de baixo para cima”, em estrutura horizontal, organizando e decidindo sobre a economia e as políticas públicas, substituindo paulatinamente a necessidade de um Estado centralizador e autoritário, defensor da propriedade privada.
As ideias de Proudhon sobre o federalismo anarquista, além de terem influenciado a AIT, atravessaram os séculos e muitas organizações de classe ou Revoluções ao longo da história se inspiraram em suas ideias, como a Revolução Espanhola, retratada no jogo Crusade and Revolution, da editora Compass (para mim, um dos melhores wargames que já joguei na vida!) ou a atual Revolução Curda em Rojava, por exemplo, que se autodenomina Confederalista Democrática (precisamos de jogos sobre este último tema!). O federalismo de Proudhon influenciou também os moldes de grandes organizações de trabalhadores ao redor do mundo, como a IWW, a CNT espanhola e a própria Confederação Internacional do Trabalho – CIT.
E por que falar tanto sobre Proudhon, mutualismo e federalismo? Pois durante a Comuna de Paris este foi um debate central, visceral e em disputa entre as diferentes correntes socialistas que construíram a Comuna de Paris. Pode-se dizer que o federalismo foi a verdadeira alma da Comuna!
IV – A ASCENSÃO DA COMUNA
Para entender a Comuna de Paris, como dito anteriormente, é necessário relembrar que o pensamento mutualista e federalista de Proudhon estava fortemente enraizado no modo de pensar e fazer da Associação Internacional dos Trabalhadores, desde antes do fatídico ano de 1871 retratado em RED FLAG OVER PARIS. O internacionalismo, a negação da propriedade privada (e não da posse), a necessidade de coletivização dos meios de produção, a horizontalidade e a negação do autoritarismo e do governo (que no Império da França era regido à época por Napoleão III) eram princípios que inspiravam esperança e solidariedade entre um operariado e um campesinato assolado pela fome, pelas exaustivas jornadas de trabalho, pela miséria, exploração e pelo medo da crescente ameaçada de uma grande guerra na Europa – a Guerra Franco-Prussiana - que viria a eclodir em 1870.

Com receio da organização operária, o governante francês proibiu qualquer reunião, evento, clube ou organização de classe, temendo um reavivamento dos ímpetos rebeldes das revoluções recém ocorridas na França em 1830 e 1848. Em resposta ao recrudescimento da repressão por parte de Napoleão III e compelidos pela situação de extrema precarização da vida, trabalhadores e trabalhadoras franceses, apoiados pela AIT, iniciaram por volta de 1865-67 uma série de importantes levantes e greves difusas pelo Império, fundando centenas de jornais operários, centros culturais, clubes de debate, escolas, unidades mutualistas, cooperativas, coletivos para a cotizações para pagamento de serviços médicos a trabalhadores e familiares doentes, funerais, moradia a pessoas em situação de despejo ou de rua, alimentação dos famintos, dentre outras atividades. A eclosão destas iniciativas operárias foi tão forte que nem a proibição e repressão de Napoleão III conseguiu frear o avanço das ideias socialistas na França.
Outro grupo social muito forte na França e que dominava através de suas organizações eclesiásticas a cultura política francesa era a Igreja Católica, que diante do crescimento das organizações operárias se viu dividida entre dois caminhos: (1) não fazer oposição ao ideário crescente da AIT para não perder grande parte de seus fiéis e não incitar a revolta da classe trabalhadora contra a Igreja ou (2) manter-se aliada à poderosa realeza do país auxiliando na repressão das organização de classe para não perder sua influência nas políticas sociais e econômicas do Império. Portanto, no campo social, a disputa entre socialistas e o Império envolvia não só o controle das imprensas e dos movimentos sociais, mas também a opinião pública dentro da própria igreja e de seus fiéis, sendo que parte dos devotos se identificava com a solidariedade aos trabalhadores pregada pelas organizações operárias e parte (sobretudo os aristocratas) recuava ao conservadorismo do alto clero da igreja. Essa disputa pela adesão dos católicos foi expressiva e quase sempre era retratada em matérias de jornais, tanto da imprensa conservadora como libertária.

A crescente mobilização dos trabalhadores foi tamanha e repercutiu com tanta força que, em 6 de junho de 1868, Napoleão III (que já andava com uma péssima popularidade) recua e flexibiliza os regulamentos que perseguiam e proibiam os eventos, clubes e organizações de classe na França. O clima de convulsão social e de organização trabalhadora estava tão aquecido que de 1868 até 1870 quase 70 clubes de organização política, debate e difusão das ideias socialistas já haviam sido legalmente registrados em Paris (alguns poucos recém fundados e muitos outros que jamais deixaram de existir ainda que antes funcionassem na clandestinidade). É relevante citar que a maioria destes clubes estava situada na periferia de Paris. A Internacional, por exemplo, já contava com mais de 30 seções em 1870 somente em Paris, passando de 500 membros a 245 mil neste mesmo ano, segundo estudos historiográficos baseados em inquéritos policiais da época.
Neste contexto de crescente conquistas de liberdades, eclode em 1870 a Guerra Franco-Prussiana, quando Napoleão III é capturado e a França deixa de ser um império e retoma à estrutura de República. Ainda em meio à guerra, sofrendo um duro cerco das tropas prussianas que impediam a chegada de alimentos na capital, a República francesa reconhece os clubes operários e cria em Paris o Comitê Central dos 20 Distritos. Grande parte dos historiadores afirma que esta medida foi uma forma de regulamentar ou criar alguma forma de vigilância e controle sobre os clubes operários, com a justificativa de “oficialização” da organização operária no país. Outra provável motivação foi aproximar o governo francês de sua população para cativar o apoio popular durante a guerra contra a Prússia. Contudo, o tiro parece ter saído pela culatra.
O Comitê Central dos 20 Distritos de Paris, influenciados pelos ideais da Internacional, passa a funcionar como um poder paralelo à Assembleia Nacional, reivindicando agência em processos decisórios e organizativos de Paris e negando inclusive a autoridade do Governo de Defesa Nacional. Inspirados pelo princípio federativo, os clubes operários, sobretudo das periferias, passam a deliberar de forma cada vez mais horizontalizada sobre a organização de processos importantes da cidade (ainda que parte dos trabalhadores franceses acreditassem em vertentes mais centralistas, como os blanquistas). Algumas grandes figuras, antes representantes da Assembleia Nacional, mudam de lado e passam também a apoiar as iniciativas populares, enquanto outros membros da Assembleia correm em apoio da antiga realeza.
Em meio à fome na França em decorrência do cerco e a diversas revoltas internas em Paris, a Prússia, com uma clara superioridade militar, declara armistício e abre espaço para negociar com a França, prometendo não recrudescer o cerco caso a República francesa aceitasse os seus termos. Durante o armistício e as sucessivas negociações, a França aproveita para chamar o povo às eleições, tentando abrandar as revoltas internas e a ascensão da autonomia das organizações operárias em Paris.
Com as eleições convocadas, o setor mais conservador da República divulga notícias falsas (fake news já existiam nas eleições!) entre a população, dizendo que retornariam à guerra contra a Prússia e cessariam o armistício caso o povo não votasse em seus coligados. Com este clima de ameaça e com fortes suspeitas de fraude nas eleições, novas revoltas populares insurgem em Paris contra a república e a sede administrativa da França migra de Paris para Versailles, com a fuga de inúmeras lideranças republicanas.

Como resultado das negociações entre França e o chanceler Otto von Bismarck, da Prússia, este último país exige que Paris desarme a sua guarda nacional e que entregue os seus canhões e demais peças de artilharia, o que é visto com péssimos olhos pelas organizações operárias que viam nas armas o último recurso para defender-se caso houvesse uma invasão prussiana. Em 18 de março de 1871, na tentativa de cumprir o acordo feito com a Prússia e confiscar os armamentos em Paris, o chefe do executivo Adolph Thiers realiza uma grande operação de desarmamento em Paris.
“As mulheres de Montmartre, inspiradas pelo espírito revolucionário desejam reafirmar através de suas próprias ações a sua devoção para com a revolução” – Elizabeth Dimitrieff, fundadora do Sindicato das Mulheres pela Defesa de Paris e Cuidado dos Feridos.
Contudo, a população parisiense, sobretudo os clubes operários das mulheres das periferias da cidade, reagem com rigor e violentamente à Guarda Nacional. A resistência das mulheres parisienses obtém êxito e boa parte das armas não são entregues, ficando sob a posse da organização das trabalhadoras e trabalhadores que logo se reivindicaria enquanto a Comuna de Paris. A tentativa violenta de desarmar a Comuna terminou com a execução dos generais Lecomte e Clément Thomas, que comandavam a missão à ordem do governo de Versailles, aumentando a confiança da Comuna em seu projeto de autogestão federalista de Paris.
Mulheres por toda a parte. – Grande sinal! Quando as mulheres se misturam às lutas, quando a dona de casa empurra seu marido, quando arranca a bandeira negra que envolve a marmita para exibi-la pela rua, eis que o sol aparece por sobre a cidade em revolução. [Relato de Jules Vallès, jornal Cri du Peuple]
Em 23 de março, fica então instituída a Comuna de Paris e o Comitê Central dos 20 Distritos declara eleições livres para os delegados dos distritos (com mandatos revogáveis a qualquer tempo pela base), conforme inspiração no princípio federativo de Proudhon. Estes delegados deveriam levar as decisões de seus distritos aos demais delegados dos outros distritos, coordenando assim a gestão de Paris pela própria Comuna. A organização federalista na Comuna foi tão proeminente que o ministro das Relações Exteriores de Versalhes, Jules Favre, tentando desacreditar a ideia no meio popular, começa a propagar que o federalismo é uma forma medieval de organização que deveria ser superada e que essa organização descentralizada de baixo para cima ia contra a tendência mundial, pois “todas as nações tendiam à unidade política”.
Por decisão da Comuna, Paris destituiu também os poderes legislativo, executivo e judiciário, que historicamente serviam à uma elite distante da classe trabalhadora e os substituíram por dez Comissões temáticas, fundando uma nova democracia direta e popular cujas decisões advinham sobretudo das bases a partir dos problemas reais e emergentes da classe trabalhadora. As comissões eram a de Guerra, Segurança Geral, Ensino, Subsistência, Trabalho e Trocas, Relações Exteriores, Finanças, Justiça, Serviços Públicos e uma Comissão Executiva. Assim, quem legislava, executava e julgava as decisões de Paris era o próprio povo e não mais representantes da burguesia ou aristocracia francesa.
Legislações locais começam a ser instauradas, como a redução da jornada de trabalho, equiparação de salários entre homens e mulheres, proibição do trabalho noturno, proibição do trabalho infantil, melhorias salariais, melhoria das condições de trabalho, coletivização das fábricas, do campo, dentre outros direitos. Ainda que em tão pouco tempo já estivesse o federalismo funcionando bem para a gestão de paris, foi inevitável não haver divergências ideológicas internas, sobretudo promovida pelos blanquistas, que acreditavam que a falta de centralização do poder atrapalharia a coordenação das forças revolucionárias. Já os federalistas defendiam que a centralização do poder, ainda que ocupado por representantes operários, seria o prenúncio da criação de um novo governo autoritário e conciliatório com a antiga realeza e a assembleia nacional, cada vez mais afastado do espírito e das demandas das bases populares.
A crítica ao federalismo viria a tornar-se motivo também de racha na AIT anos mais tarde, quando no Congresso de Haia, convocado às pressas e sem ampla participação, Marx, defensor de uma vertente centralista da revolução e defensor do método da disputa pelo controle do Estado, decide pela expulsão dos anarquistas da Internacional, sobretudo pela proeminência que os anarquistas vinham ganhando na AIT através das ações e obras de Mikhail Bakunin.
Os nomes dos homens e mulheres eleitos para as comissões da Comuna são bem retratados em diversas cartas em RFOP, assim como são as grandes personalidades da Assembleia Nacional, da realeza, da igreja católica, do governo de Versailles, da imprensa governista e dos exércitos franceses e prussianos.
Com a instauração da Comuna, diversos trabalhadores estrangeiros foram a Paris auxiliar na organização operária e eram recebidos como concidadãos, já que guiados pelo princípio do internacionalismo não impunham distinção por nacionalidades. A participação das mulheres na Comuna de Paris foi também crucial, e a partir de uma associação específica de mulheres capilarizada nas assembleias de base dos distritos - a União das Mulheres, as pautas femininas e as próprias mulheres estavam sempre presentes nos grandes debates das Comissões da Comuna.
V – A QUEDA MATERIAL DA COMUNA
Se já havia uma indisposição de Paris com a Prússia devido ao fato de o povo ter reagido ao confisco das armas, após a instalação da Comuna na cidade e com a administração política da França enxotada para Versailles (relegando-a à desimportância após a tomada das rédeas de Paris pelos trabalhadores), a Prússia passa a ter também como grande inimiga a própria Comuna. É então que Otto von Bismarck oferece colaboração militar prussiana à Versailles para destruir a Comuna, cobrando ainda mais obrigações da França à Prússia nas negociações do armistício.
Os primeiros combates entre Versailles e a Comuna, sobretudo nas periferias de Paris, deram vantagens militares ao governo francês, que conseguiu, principalmente com a tomada de importantes fortes que cercavam a capital, massacrar importantes pontos estratégicos da resistência communard. Alguns fortes, como o Fort D’issy, foram palcos de violentos confrontos e ficaram em ruínas após o término da Comuna de Paris.
É então que a Comuna passa a adotar estratégias de guerrilhas urbanas com a construção de barricadas (que teve adesão também de tropas da Guarda Nacional de Paris, que “virou a casaca”), uma estratégia de confronto militar que foi decisiva para minimizar as perdas do lado communard durante a última semana de existência da Comuna, a chamada “Semana Sangrenta” (de 21 a 28 de maio de 1871).
Com confrontos difusos por toda a Paris, notícias corriam na cidade informando ora sobre o massacre de generais de Versailles e soldados prussianos colaboracionistas, ora informando sobre o massacre das resistências communards. Durante todo o conflito, um complexo e organizado esquema de produção e distribuição de alimentos, medicamentos, roupas, munições, armamentos e de serviços médicos às barricadas foi montado, dando ainda mais uma sobrevida à resistência da Comuna.

A tomada de zonas estratégicas de Paris pelo exército de Versailles, comandado por Marechal Macmahon, fez com que o ataque à Comuna fosse deslocado dos moldes de combates armados de infantaria ao longo das ruas de Paris para o bombardeio das sedes da Comuna a longas distâncias. Apesar das divergências entre as fontes historiográficas sobre o número de mortos, é certo que pelo menos 20 mil pessoas da Comuna de Paris, dentre elas adultos, idosos e crianças, homens e mulheres, foram fuzilados ou espancados até a morte, como o conhecido e importante membro da Comuna Louis-Eugène Varlin (infelizmente não retratado nas cartas da caixa base de RFOP). Alguns registros de quem vivenciou a Comuna, como a aguerrida Louise Michel, falam em mais de 100 mil fuzilados.
Ainda que tenha durado somente 72 dias e que tenha sofrido um cruel massacre, pode-se dizer que a Comuna de Paris, retratada de forma primordial no jogo RED FLAG OVER PARIS, sofreu apenas a sua queda material, mantendo-se ainda na alma da organização operária da época. Na França, por exemplo, mesmo com as subsequentes prisões, deportações e exílios dos revoltosos, a força da organização operária federalista se manteve significativa até quase 20 anos depois do fim da Comuna, vindo a conquistar mais uma série de avanços no campo político e social ao povo francês.
Pensadores e militantes da AIT, ainda que com divergências viscerais em seus ideários, tal como Marx e Bakunin, foram também grandes apoiadores e difusores da experiência da Comuna de Paris como um exemplo das capacidades da classe trabalhadora em todo o mundo.
A Comuna, noticiada praticamente em tempo real em quase todos os jornais do planeta, influenciou também movimentos políticos e sociais nos quatro cantos do mundo, estimulando organizações operárias e campesinas em diversos contextos históricos, inclusive na organização da classe trabalhadora no Brasil, na transição entre os séculos XIX e XX.
No Brasil, por exemplo, inspirados pela Comuna e pelos princípios da solidariedade, do federalismo anarquista e da horizontalidade, uma série de greves, manifestações, clubes operários, escolas libertárias, ligas operárias de homens de cor, organizações operárias femininas, grupos de teatro, de alfabetização de adultos e idosos, cooperativas, refeitórios e creches populares, jornais e centros de culturas sociais (o de São Paulo existe e funciona até hoje) foram criados.
Diante de um contexto de carestia de vida no Brasil no início do século XX tão duro quanto ao vivido pelo povo francês nos anos anteriores a 1817, saques a moinhos de trigo e aos estoques de alimentos de coronéis para a distribuição livre do alimento ao povo faminto, coletivização de fábricas, organização de grandes greves, como a Greve Geral de 1917, culminaram na fundação de Federações Operárias no pais e nas conquistas de grandes direitos trabalhistas no Brasil, como a redução da jornada de trabalho de 14 ou 16 para 8 horas e a proibição do trabalho infantil, por exemplo. Foi um período rico também na discussão sobre a solidariedade internacionalista, direitos das mulheres, da liberdade sexual e de gênero, do anticapitalismo, do combate ao racismo, da pedagogia, da pauta anti-prisional e antimanicomial, das artes e da imprensa. Se na Comuna de Paris foram hasteadas as bandeiras vermelhas, no Brasil, inspirados por uma frase da communard Louise Michel, a classe trabalhadora insurgente levantou as bandeiras negras sobre o país em 1917 (Black Flag Over Brazil?)!

“A bandeira negra é a bandeira das greves, é a bandeira dos famintos” – Louise Michel
A Comuna de Paris foi, portanto, umas das experiências reais que escancarou ao mundo que é possível construir um mundo sem patrões, mas jamais um mundo sem os trabalhadores.
VI – DETALHES DO JOGO
Agora que (ufa!) terminei um grande resumo sobre o tema de RFOP, voltemos ao jogo! Espero que vejam nos componentes e regras de RFOP um tanto da história aqui contada sobre o surgimento e a queda da Comuna de Paris.
O tabuleiro central em RFOP é um mapa dividido em duas grandes partes. À esquerda, temos a área política, subdividida em duas Crisis Dimensions (dimensões da crise): os espaços verdes, representando as disputas institucionais (a realeza, a assembleia nacional e os republicanos) e os espaços laranjas, representando as disputas pela opinião pública (na igreja católica, na imprensa ou nos movimentos sociais). Cada Crisis Dimension da disputa política tem um espaço pivô, representado no mapa por uma estrela (a assembleia nacional e a imprensa).

No lado direito do tabuleiro, temos uma representação do mapa físico de uma região da França, onde de fato ocorre a disputa militar durante o jogo. Este lado também é subdividido em duas dimensões da crise: os espaços azuis, representando as principais fortificações ao redor de paris (Mont-Valérien, Fort D’Issy e Château de Vincennes) e os espaços roxos representando a própria cidade de Paris (Butte Montmartre, Butte-Aux-Cailles e Père Lachaise). Assim como no lado político, cada Crisis Dimension militar tem também um espaço pivô, representado no mapa por uma estrela (Mont-Valérien e Butte Montmartre).
Explicando de forma mais simplificada, a pontuação de RFOP é um cabo de guerra com dois marcadores, um indicando a dominação militar e o outro indicando a dominação política. Os Communards ganham o jogo se tiverem o controle político durante o conflito de forma mais pungente que o poderio militar de Versailles e, ao contrário, Versailles ganha a partida se tiver mais poderio militar que o controle político dos Communards. Em geral, a pontuação política acontece quando ao final da rodada o jogador controla toda uma dimensão da crise do lado político do tabuleiro (todos os espaços verdes institucionais ou todos os espaços laranjas que representam a opinião pública). Por sua vez, a pontuação militar ocorre quando toda uma dimensão da crise do lado militar do mapa é controlada pela mesma facção (todos os espaços azuis dos fortes ou todos os espaços roxos de Paris). O controle em RFOP é determinado pela maioria das influências/tropas de cada facção nos espaços do tabuleiro.
O jogo inicia com cada jogador sacando duas cartas de objetivo e escolhendo secretamente somente uma delas. Os objetivos estão sempre relacionados à conquista de algum espaço do mapa (político ou militar), sendo que ao final da rodada, caso o jogador tenha o controle sobre aquele espaço indicado no objetivo, este poderá realizar um evento especial descrito naquela carta. Este evento pode alterar a distribuição das unidades dos jogadores no mapa, causando reviravoltas importantes e uma tensão muito legal durante o jogo. Caso o objetivo cumprido ao final da rodada seja relacionado a um espaço militar, o jogador que o cumpriu ganha um ponto de vitória militar. Da mesma forma, caso o objetivo cumprido seja da zona política, o jogador ganha um ponto de vitória político.

Além das cartas de objetivo, ao início de cada rodada o jogador saca também 4 cartas de estratégia, que dirigirão o andamento da partida. Para quem não é familiarizado com os CDGs, podemos dizer que RFOP é um jogo com sistemas dirigidos por cartas, assim como em Twilight Struggle (foi a melhor referência amplamente conhecida que achei), ou seja, cada jogador terá uma mão de cartas e estas cartas, compradas de um deck comum, poderão ser específicas dos Communards (cartas vermelhas), específicas de Versailles (cartas azuis) ou simplesmente cartas neutras (cinzas). Portanto, um jogador pode ter em suas mãos cartas de ambas as facções, além das cartas neutras.
Cada carta tem um valor em Pontos de Operação, que varia de 1 a 4, além da descrição de um evento. Os eventos das cartas vermelhas somente beneficiam os Communards, os eventos das cartas azuis somente beneficiam Versailles. As cartas cinzas, por serem neutras, possuem eventos que podem ser utilizados para beneficiar o jogador que a utiliza, independente da facção que este jogador controla.
Os pontos de operação, por sua vez, podem ser gastos para pagar os custos ao adicionar influências políticas ou força militar no mapa, remover influência ou atacar o adversário, destruindo tropas inimigas, barricadas ou fortificações. Com os pontos de operação, os jogadores só podem interferir nos espaços onde possuem presença ou nos espaços adjacentes a um espaço em que tenha o controle (maioria). Por isso, um bom planejamento geográfico das unidades é essencial para conquistar avanços políticos ou militares.

Em cada turno, alternadamente, cada jogador utilizará somente uma carta e deverá escolher utilizá-la ou para acionar o evento (caso seja uma carta de sua facção ou uma carta neutra) ou para gastar os pontos de operação demonstrados na carta. A carta na mão de um jogador que pertença à facção adversária jamais poderá ser utilizada para acionar o seu evento, pois este é exclusivo para quem controla aquela facção. Assim, apenas os pontos de operação poderão ser gastos ao se jogar uma carta da cor adversária.
Diferente de como ocorre em Twilight Struggle, em RFOP quando, por exemplo, o jogador que controla as Communards resolve utilizar uma carta de Versailles, o evento não é automaticamente acionado em benefício do adversário. Ao contrário, o jogador Communard, como dito acima, utilizará somente os pontos de operação da carta azul e aquela carta (de Versailles) será posta com a face voltada para cima em uma pilha de descarte.
Contudo, o adversário que controla Versailles, em seu turno seguinte, sempre terá a opção de descartar uma carta qualquer de sua mão com o mesmo valor ou em valor que supere em pontos de operação a carta azul descartada anteriormente pelos Communards para, ao invés de utilizar os atributos da carta de sua mão, acionar o evento de Versailles da carta disposta no topo da pilha de descarte. Desta forma, é importante fazer uma boa gestão da carta adversária que se usa, para não oportunizar o acionamento do evento do inimigo no próximo turno!
Retomando a explicação da dinâmica do jogo, após sacar as 2 cartas de objetivos e escolher uma delas e sacar também as 4 cartas de estratégia de uma rodada, será iniciada a fase de iniciativa (não entrarei em detalhes da regra sobre como a fase é resolvida). Mas, quem tem a iniciativa não necessariamente começará o seu turno primeiro, mas decidirá em qual ordem de turno será desenvolvida aquela rodada.
Decidido o jogador que iniciará na ordem de turno, os jogadores utilizarão alternadamente apenas 3 das 4 cartas de estratégia compradas naquela rodada, reservando secretamente uma delas para a Crise Final (a última rodada). Portanto, cada rodada será composta de 3 turnos por jogador e cada um terá reservado uma carta por rodada para formar a sua mão para a Crise Final.
Ao final de cada rodada, após as disputas políticas e militares, segue-se a verificação das seguintes condições na seguinte ordem:
1. Pivotal Space Bonus Actions: para cada espaço pivô controlado por um jogador é dado a ele o direito a realizar uma das seguintes ações dentro daquela mesa dimensão da crise:
a. De-escalar, remover até 2 dos próprios cubos ou 1 cubo de cada um dos jogadores daquela dimensão da crise (disponibilizando as raras unidades do jogo para usá-las em outras regiões);
b. Espalhar influência, mover até 2 dos próprios cubos entre quaisquer espaços daquela dimensão da crise;
c. Turncoat (vira-casaca), remover 1 cubo do oponente e substituí-lo por um cubo do próprio jogador naquele mesmo espaço.
2. Crisis Dimension Scoring: após a resolução das ações bônus dos espaços pivô, cada jogador pontua no cabo de guerra movendo o marcador político ou militar para o seu lado em quantidade equivalente à quantas dimensões de crise controlam totalmente. O controle total de uma dimensão de crise política (os espaços institucionais ou a opinião pública) fornece pontuação com o marcador de pontuação política. O controle total de uma dimensão de crise militar (espaços das fortificações ou de Paris) fornece pontuação com o marcador de pontuação militar. Note que o controle total de uma dimensão de crise pode ser efetivado somente após a ação bônus decorrente do controle de espaços pivô. Por isto é super importante tentar manter o controle destas regiões centrais das dimensões da crise!
3. Objective Card Scoring: o jogador que finalizar a rodada controlando o espaço do mapa indicado na carta de objetivo escolhida no início da rodada, poderá realizar o evento daquela carta, preparando e modificando a configuração de suas unidades para a próxima rodada.

A Crise Final é, em geral, a 4º e última rodada do jogo, se tudo correr sem uma escalada muito relevante na tensão do conflito. Do contrário, a Crise Final pode ser acionada antes da última rodada da partida (quando as trilhas de crise de ambos os jogadores atingirem o patamar máximo). Durante a Crise Final, as cartas de estratégia que foram, uma a uma, reservadas a cada rodada formarão a mão do jogador para o momento final do jogo. Contudo, durante a Crise Final somente é permitido utilizar os eventos das cartas e não mais os seus pontos de operação. Montar uma boa mão para a Crise Final é praticamente uma das decisões mais importantes da partida e de nada adianta separar uma carta da cor adversária. É necessário escolher com sabedoria!
Para a Crise Final, desde o setup do jogo, cada jogador já tem uma carta especialmente reservada para o deck que será montado para a última rodada (FC card). O jogador de Versailles tem a carta de Marechal Macmahon, o líder do exército de Versailles, e o jogador da Comuna tem a carta de Charles Delescluze, grande líder communard que já gozava de grande prestígio por ter participado também das revoluções de 1830 e 1848 na França. Em caso de necessidade, estas cartas ficam disponíveis para uso nas rodadas que antecedem a Crise Final, mas é uma grande desvantagem não contar com sua força neste momento decisivo da partida.

O que torna uma partida de RFOP bastante apertada é a gestão dos parcos recursos do jogo (os cubos, que representam as influências nos espaços políticos ou as tropas nos espaços militares). Como indicativo dos momentos históricos de cada facção, o designer Fred Serval incluiu em seu jogo uma trilha chamada de Momentum. Esta trilha, para os Communards, representa o nível de engajamento da população para a manutenção da Comuna de Pris, enquanto para Versailles esta trilha representa o avanço das negociações da França com a Prússia, expressa pela colaboração militar prussiana na repressão à comuna de paris. Portanto, à medida que cada facção avança na sua trilha de momentum, cada vez mais unidades se engajam em sua respectiva causa, disponibilizando mais unidades para as disputas no mapa (com uma desproporção clara e historicamente justificada que dá mais unidades a Versailles que à Comuna).
Tematicamente, o jogo é muito bonito, com cartas muito bem ilustradas, trazendo representações históricas de personagens importantes para o período, além da representação de jornais operários da época, de eventos relevantes para o desencadear do conflito, como insurgências, massacres, bloqueio de ruas da Paris com barricadas, tomadas de fortes etc. O jogo quase que naturalmente segue uma tendência a acompanhar o desenrolar da história da Comuna de Paris, iniciando as primeiras disputas ainda no campo político, com ambos os jogadores buscando obter a hegemonia ideológica na imprensa, nos movimentos sociais, entre os devotos da igreja católica ou na assembleia nacional, por exemplo, e finalizando a partida com inúmeras guerras militares na cidade de Paris e nos fortes ao redor da cidade. O domínio dos fortes para a ocupação ou defesa de Paris é também notadamente importante na partida, assim como o foi naquele período.
O jogo é surpreendentemente bem balanceado, sendo bastante comum (bastante MESMO) a partida terminar num empate, sendo necessário recorrer aos seguintes critérios de desempate: (a) quem tem mais pontos de vitória combinando pontos militares e políticos; (b) quem cumpriu mais objetivos de rodada; (c) quem controla mais espaços pivô ao final da partida; (d) quem foi o último jogador a ter a iniciativa. Todos os quatro critérios de desempate são então verificados e quem atender a mais critérios vence a partida. Se persistir no empate, a Comuna de Paris é declarada a vencedora!
RED FLAG OVER PARIS talvez seja aquele jogo pensado prioritariamente como um produto cultural educativo/informativo, por um designer que entende muito sobre História. Pelo tempo em que o jogo se desenvolve, talvez ele seja aquele jogo feito para se pôr à mesa nos intervalos do cotidiano, ou entre jogatinas. No entanto, ele não deixa de ter uma complexidade e uma profundidade estratégica bem sedutoras. Fred Serval foi certeiro ao manter o que há de mais prazeroso nos CDGs (card driven games): jogar sobre os ombros do jogador um peso enorme sobre a decisão de qual carta utilizar em sua rodada e de que forma deverá utilizá-la, se através de seus pontos de operação, de seu evento ou descartando-a para alterar a sua trilha de momentum.
Apesar de sua curtíssima duração (pouco menos de uma hora), é inevitável não mergulhar na temática histórica retratada. Quando experimentei o jogo pela primeira vez, tinha como interesse maior vivenciar o desenvolvimento temático ao longo da partida e confesso que tinha receios de não atingir este nível de imersão em tão pouco tempo. Mas RFOP desempenha este trabalho de forma fenomenal e certamente te deixará com aquele gostinho de pesquisar cada vez mais e mais sobre esse triste, porém belo, momento histórico francês, que deixou um grande legado para a classe trabalhadora e alterou para sempre o curso de muita cosa da história.
Há ainda uma variante bem interessante (que provavelmente se torne a regra base do jogo em versões futuras) e uma mini-expansão com 10 novas cartas de estratégia em fase de teste (as cartas são Louis Rossel, Gustave Flourens, Jean-Baptiste Clément, Elizabeth Dimitrieff, Colonne Vendôme, Paris Bombarded, Général Gallifet, Sapper Tactics, Georges Vaysset e Versailles’ left). Estou tendo a oportunidade de testar as modificações do jogo e, ainda que algumas cartas precisem de uns ajustes, essas novidades deixarão o jogo ainda menos dependente da sorte das cartas, muito mais ofensivo, apimentado e sujeito a twists estratégicos emocionantes! Fiquem ligados!