Hoje na Fala, Mana! trazemos as desenvolvedoras de jogos e fundadoras da Curió, editora brasileira de jogos infantis que surgiu de uma paixão em comum: os jogos de tabuleiro. A editora conta com os jogos Macacos me Mordam lançado em 2018 e Quero-Quero de 2019 (que foi premiado como Jogo infantil do ano de 2019 pelos jurados da Ludopedia!) em seu portfólio.
Confira abaixo Graziela Grise e Isabel Butcher nos contando como surgiu a Curió, como foi desenvolver os jogos e muito mais!
Quero-Quero, ganhador do prêmio Ludopedia 2019, desenvolve atenção, concentração, raciocínio lógico e matemática. Nesse jogo, as jogadoras disputam cartas de animais da fauna brasileira em risco extinção.
Conta pra gente como surgiu a Curió Jogos?
ISABEL – A Curió nasceu, basicamente, por dois motivos: da insatisfação, como mães, de não conseguirmos jogos de qualidade, no Brasil, para nossos filhos, e do amor aos jogos de tabuleiro. No Carnaval de 2016, quando reencontrei a Gra, comentamos sobre os jogos que nossos filhos tinham ganhado no Natal e aniversários, em dezembro, e como muitos deles já tinham caixas ou componentes destruídos. Comentamos sobre a nossa frustração de não termos jogos com componentes e caixas de qualidade, como os jogos de adultos que já chegavam no país, mas principalmente como os jogos que encontrávamos na Alemanha, a Meca dos jogos de tabuleiro. Naquela época, os jogos para o público infantil tinham caixas que se destruíam facilmente – e nem sempre a culpa era da crianças, a qualidade é que era ruim, mesmo.
GRAZIELA – Pensamos que tinha que ter um jeito de se fazer jogos para crianças com qualidade no Brasil! E foi daí que começamos a estruturar a Curió.
Como foi o processo criativo dos jogos Macacos me Mordam! e Quero-Quero?
ISABEL – Com o Macacos me Mordam!, Gra veio um dia aqui para minha casa (ela mora em São Paulo), cheia de jogos e jogamos por muito tempo. Eu tinha uma obsessão de fazer um jogo que usasse a caixa como um dos componentes do jogo, o que acabou não acontecendo. Mas, desse resultado – jogar vários jogos infantis e minha mania – nasceu um jogo em 3D. A princípio, tinha em mente a música infantil “A dona Aranha, que subiu pela parede/ Veio e chuva forte e a derrubou”. Vale dizer que minhas filhas – tenho gêmeas – na época estavam com 3 anos e a música era um hit aqui em casa. Mas, conversa vai, jogos vêm, criamos um jogo onde os macaquinhos deveriam pegar frutos, não necessariamente bananas. Fizemos um protótipo, que funcionou super bem, e fizemos vários testes para ajustar as regras. Essa parte foi mais difícil porque era inúmeras as possibilidades. Testamos com adultos e, quando ele já estava com as regras fechadas, passamos para os testes com crianças, o que sempre é mais complicado.
Já o Quero-Quero, começou com a ideia da Tânia, a coautora, em desenvolver um jogo para crianças menores. Estávamos num brainstorm interno, nosso, e sempre gravamos essas conversas para não esquecermos. Numa dessas, ela “cuspiu” o jogo praticamente pronto. Depois que fizemos um protótipo e testamos, tive a ideia de termos cartas de objetivos, para que o jogo tivesse uma vida mais longa. E também decidimos que crianças de 3 anos deveriam jogar sem fazer uma das relações – no caso, a associação do número de animais nas cartas.
A ideia de animais ameaçados de extinção veio depois, quando o jogo estava mais redondinho.
Macacos me mordam
Macacos me Mordam rolando na última edição presencial da JogaMana. Nesse jogo, cada jogadora é um macaco tentando subir em uma árvore para coletar o maior número possível de bananas. A árvore, composta de cartas de tronco e cartas de copa de árvore, vai sendo descoberta (montada) à medida que os macacos sobem.
Vocês estão trabalhando em algum jogo novo? Teremos novidades por aí?
GRAZIELA e ISABEL – No momento, estamos desenvolvendo um novo jogo, mas voltado para as escolas. É algo inédito na Curió e que está sendo feito em parceria com uma outra editora. Mas ainda não podemos divulgar mais detalhes.
Com relação a outros jogos comerciais, voltados para o público geral, ainda não estamos com planos de lançamento. Imaginamos que só em 2022. Até achávamos que, com o isolamento social, a gente fosse acelerar o desenvolvimento de novos jogos, mas não está sendo possível até o momento. O trabalho, o cuidado com as crianças, com as nossas respectivas casas têm tomado muito do nosso tempo e do nosso emocional, também. Mas ainda temos esperança de conseguirmos começar a desenvolver novos produtos este ano, para serem lançados no fim do ano que vem ou em 2022.
– Como começou o contato de vocês com o mundo dos boardgames? E quando vocês perceberam que não parariam mais?
ISABEL – Bom, desde que me entendo por gente jogo. Meu início foi com Damas. Em seguida, parti para o carteado e aos 7 anos jogava Buraco com meus pais, tios e avós. Depois, joguei muito War e Imagem e Ação. Mas os jogos modernos de tabuleiro entraram na minha vida por volta de 2004-05. Foi irônico porque começou com a versão on-line de Ticket to Ride EUA e depois Europa. Foi uma paixão avassaladora. Fiquei tão louca que o amigo que me apresentou à versão virtual dos jogos estava indo para a Alemanha e eu pedi para ele uma listinha de opções. Ele me trouxe vários jogos. A partir daí não parei mais de comprar. Em 2007 fui morar na França e fiz a festa. Comprei muita coisa lá e três anos depois voltei com uma bela coleção. Em 2012 nasceram minhas filhas e a coleção acabou ganhando um novo “contorno”.
GRAZIELA: Meu primeiro contato com jogos de tabuleiro modernos foi por volta de 2003. Um amigo trouxe Catan e mais uns 2 ou 3 jogos da Europa. Curti bastante e, em 2005, quando me mudei para a Alemanha, acabei mergulhando no hobby. Jogava muito com os amigos da faculdade, fui comprando alguns jogos. Comecei a namorar (e depois casei) com um alemão e descobri que jogos de tabuleiro na Alemanha são muito mais que um hobby, são um programa familiar, de amigos. Jogávamos muito juntos e não paramos mais. Atualmente jogamos também com nossos filhos, de 7 e 9 anos. Temos uma coleção razoável de jogos em casa, adultos e infantis.
– Vocês já sentiram que receberam qualquer tratamento diferente no mundo dos Board Games pelo fato de serem mulheres?
ISABEL – Difícil essa pergunta. Acho que não. Até porque, jogo com as mesmas pessoas há anos e anos. Em eventos, quando jogo, nunca passei por uma experiência ruim. Acho que tive sorte porque sei que isso é uma exceção.
GRAZIELA – Não frequento muitos eventos e também não tive experiências ruins pessoalmente, mas notei que, quando faço comentários em grupos de facebook sobre jogos, vários homens que eu não conheço me adicionam. Acho bem bizarro.
– O que vocês acham que poderia ser feito para termos uma maior presença feminina nos Board Games, tanto nas mesas e eventos quanto nos ambientes profissionais?
ISABEL – O ato de jogar é basicamente cultural. Na Alemanha, por exemplo, a cultura do jogar é muito mais ampliada e famílias inteiras jogam. O jogo cobre as diferentes gerações e é possível vermos crianças, adultos e idosos à mesa, jogando e sem um gênero marcante.
No Brasil a cultura do jogo é diferente. Ela está muito mais ligada à infância e, quando a criança cresce, se afasta do jogo – com a possibilidade de voltar na juventude, mas não com frequência.
Acho que a presença feminina será maior se elas começarem a jogar desde cedo e perceberem que não precisam parar de jogar depois que crescem. A chegada dos jogos modernos ao Brasil certamente vai ajudar muito nesse processo porque agora temos uma gama muito mais variada de títulos, com temas variados, mecânicas diferentes e que certamente terá sempre uma boa opção para todos os tipos de público.
Outro ponto é que a indústria de brinquedos e de jogos deveria parar com as diferenciações “brinquedo de menina” e “brinquedo de menino” porque o jogo acaba ficando na lista dos meninos.
GRAZIELA – O problema é que, no Brasil, jogos de tabuleiro são um produto de nicho, muito associados ao mundo geek e nerd, que é predominantemente masculino e, muitas vezes, bastante tóxico. Nesse sentido, acho que os eventos inclusivos ou voltados ao público feminino são um bom começo.
A popularização dos jogos de tabuleiro pode ajudar muito, descolando o hobby do público nerd e abrindo espaço para um público mais diversificado.
*Fotos retiradas da página do Facebook da Curió Jogos.