Sempre tive um fascínio por jogos de nave, não me perguntem o motivo. Talvez porque eram os primeiros jogos a fazerem sucesso nos fliperamas. Quando piazão, adorava ficar horas vendo os caras calejando os dedos, como eles conseguiam passar no meio daquela chuva de tiros e não ser destruídos, era insano! O mais bacana era ver aquela insanidade toda regada ao som frenético de um "techno-house" que tornava tudo ainda mais incrível.
Em fliperama eu nunca quis jogar, eram jogos para poucos, confesso. Era preciso torrar toneladas de fichas para conseguir chegar a um nível aceitável de jogo. Nos consoles até consegui zerar alguns joguinhos, como vários GRADIUS, vários R-TYPE entre outros, mas aí veio a internet e mostrou que existem coisas impossíveis de serem vencidas.
Muitos que viram as duas postagens sobre como o THE BATTLE AT KEMBLES CASCADE (vou chamá-lo de TBKC) foi feito nem se deram conta do que se tratava esse jogo. Muito bem, hora de mostrar "que bicho é esse" e se vale a pena dar uma olhada nessa bagaça ou se não passa de apenas mais um jogo de tabuleiro restrito a um nicho insignificante de mercado.

COMPONENTES
Normalmente não ligo muito para a arte da caixa, mas esta não tinha como deixar passar: achei um BARATO [risos].
A arte parece muito com as figuras que existiam nas laterais das máquinas de fliperama da década de 80. Se fosse só isso tudo bem, mas não deu para deixar de reparar na simulação de desgaste nas quinas e também na caixa, dando a aparência que o seu jogo está bem velhinho.

A arte da caixa simulando desgaste: Tá aí uma caixa que você não precisa zelar.

Quanto mais esfolada, melhor!
O manual do jogo é super bem feitinho, cheio de texto e imagens, tudo bem explicadinho como manda o figurino.

O conteúdo do manual não tem nada de retrô: textos e figurinhas como reza a cartilha do bom manual.
Os painéis dos jogadores, apesar de terem um estilo retrô que nos remete a década de 80, poderiam permitir gerenciar os recursos do jogo de forma mais precisa, com prendedores ou furos. É preciso tomar cuidado para não esbarrar nos cubos ali depositados e assim perder as marcações no decorrer do jogo.

Ficha dos jogadores em plástico flexível. Sem furos para "prender" os marcadores e fáceis de riscar...

As miniaturas dão o toque charmoso ao jogo.
O tabuleiro do jogo é o que mais surpreende, de forma positiva pela criatividade e negativa pelo material em que foi produzido.
O jogo usa bandejas para acomodar as cartas e assim formar a "tela" com os inimigos.
Apesar da grande praticidade que este material agrega, o plástico usado nas bandejas é muito fino e frágil, com péssima aparência (postei mais fotos na seção de imagens do jogo).

As bandejas são pretas e flexíveis, para se encaixar umas as outras.
Essa aparente pobreza deste componente não chega a comprometer (na minha opinião, isso pode variar de pessoas para pessoa), pois em 2 a 3 jogadores você usa apenas uma bandeja por linha e portanto não nota nada de errado. Mas não deixa de ser um pontinho negativo.

As bandejas formam a "tela", acomodando as naves inimigas e permitindo mover sua nave pelos espaços vagos.
O JOGO
Em sua essência, THE BATTLE AT KEMBLES CASCADE é um jogo de combate tático onde até 5 jogadores tentam sobreviver à uma horda de inimigos lutando para conseguir um único objetivo: PONTOS DE GLÓRIA. Apesar do jogo permitir destruir oponentes e oferecer um "chefe de fase", isso não é o foco. Os jogadores podem ser destruídos mas "revivem" novamente e podem continuar a combater. A destruição do chefão decreta o fim de jogo e a hora de contar os pontos de glória.
TBKC simula um JOGO DE NAVE onde até 5 jogadores podem seguir por uma "tela" que "rola" na vertical trazendo toda sorte de inimigos, tiros, bombas, asteroides, portais de teleporte e, como não poderia faltar (se faltasse eu não compraria esse jogo), os famigerados CHEFÕES das fases. Pera aí, como é que é? TELA? ROLA NA VERTICAL? TIROS? Pois é... eu sei, eu também reagi assim quando li a primeira vez aqui mesmo na ludopédia.

A "tela vertical" simulada pelo jogo. Criatividade oferece um resultado final bem satisfatório.
Jogo de nave, para quem não se atentou, é um jogo onde você controla uma nave que precisa ficar atirando numa série de inimigos que descem do alto da tela atirando constantemente, exigindo que você fique desviando (Space Invaders, River Raid, etc).
O "pulo do gato" do TBKC consistem em rolar a tela, ou seja, são 5 linhas (bandejas) contendo vários inimigos. Ao final de um turno a última linha é retirada de sua posição, todas as demais linhas (bandejas) descem e a linha (bandeja) que foi retirada é colocada na parte de cima com novos inimigos. Se houver alguma nave nesta ultima bandeja que está sendo retirada, as naves são colocadas na bandeja imediatamente acima, podendo vir a colidir com inimigos ou meteoros. Fazer isso "manualmente" seria um caos por isso as bandejas oferecidos pelo jogo são uma dádiva.
Ao contrário de um legítimo jogo de nave, onde a disputa é normalmente por pontos e na imensa maioria dos casos trata-se de um jogo solitário, TBKC permite que até 5 jogadores disputem uma partida simultaneamente, e com um detalhe ainda mais bizarro: Ambos podem "se atacar" (?!). Explico essa bizarrice mais à frente.
No TBKC a disputa não é por pontos e sim por GLÓRIA (que não deixa de ser um tipo de pontuação). Ao final de um boss (chefe da fase), quem tiver a maior quantidade de Glória vence o jogo.

Os cubos marcam a quantidade de glória obtida na partida. Abaixo, os "Achievements", bônus que os jogadores podem ganhar se cumprirem esses objetivos.
O jogo é dividido em TURNOS DE JOGADOR onde cada jogador decide se deseja BATALHAR (mover e atacar inimigos) ou realizar um POWER DOWN (recuperar energia). A quantidade de inimigos bem como sua dificuldade variam conforme a quantidade de jogadores na tela.
ABSORVENDO TIROS
Ao final de cada turno de jogador, qualquer inimigo adjacente à sua nave lhe dará um tiro. Esses tiros são tratados como AMEAÇAS no painel de cada jogador, onde quanto mais tiros sua nave receber, maior será o grau de ameaça.

Inimigos adjacentes causam dano automático. Alguns causam dano na "tela inteira", atingindo todas naves enquanto ele permanecer vivo na tela.

Alguns níveis de jogo permitem criar "túneis" que guiam o movimento dos jogadores.
Para "se livrar" destas ameaças (destes tiros) sua nave tem que MOVER e também realizar um POWERDOWN, ou seja, ela precisa reservar um turno para desligar os motores e o sistema de armas, permitindo assim que sua energia seja recarregada e com esta energia extra reduzir sua barra de "ameaças" acumulada.

As fichas permitem acomodar armas e gerenciar os tiros inimigos (Threats) juntamente com a Energia. Threats acima de 7 ou Energia zerada é igual a morte
VOCÊ TEM AS ARMAS, ENTÃO LUTE!
No começo do jogo (como em qualquer jogo de nave) as coisas são bem difíceis. Sua nave só tem 1 movimento e 1 tiro. Para piorar, você não atira para todos os lados, precisa gastar energia para "girar" sua nave para o lado que deseja efetuar seus disparo e então disparar.
Com até duas "sobrecargas" (overcharges) em sua energia você pode ganhar mais movimento e mais tiros, no entanto sua energia cairá muito e trata-se de um recurso muito tático para desperdiçar. Se a sua energia acabar, você "morre" (sua nave revive no fundo da tela - como reza a cartilha dos jogos de nave). Isso torna obrigatório a cada jogador dar um UPGRADE em sua nave, melhorando armas, escudos e armazenamento de energia - principalmente antes da chegada do CHEFÃO.
Você não atira contra inimigos, não existe o "combate" propriamente dito. Ao mirar um inimigo (não importa a distância) você verifica quanto dano ele precisa tomar para ser destruído e aplica nele a quantidade de tiros que sua nave pode dar, eliminando-o da tela.

A nave azul pode "atirar" contra um inimigo lá no topo da tela e destruí-lo se não houver obstáculos.

Quando um inimigo é destruído, basta colocar uma carta sobre ele, cobrindo sua presença e fazendo-o "desaparecer" da tela.

Muitos inimigos, depois de destruídos, premiam o jogador com BELONIUM, a "moeda" do jogo. É com belonium que você compra itens que melhoram sua nave.
Alguns itens que surgem na tela são benéficos, como buracos de teleportação, geradores de energia, um mercador de armas que permite dar um upgrade em sua nave e até mesmo o famigerado 1UP, que permite comprar uma cartinha de Power-up.

Dar um upgrade na nave é quase tão delicioso quanto ir ao shopping. Tudo pode ser melhorado: armas, escudos, motores...
PERDENDO VIDAS
Essencialmente TBKC era para ser um jogo cooperativo (como todo jogo de nave), no entanto ele oferece a possibilidade de disputar partidas competitivas e até mesmo em times (é o toque "boardgame" do jogo).
No caso do modo competitivo, você pode atirar em seus amigos (?!). Sempre que isso acontece você coloca um "marcador" nele e caso ele seja destruído, você ganha 1 GLÓRIA. É um incentivo ao "pega pra capar" no jogo (se um amigo seu estiver quase morrendo é sábio dar um "tiro de misericórdia" nele para destruí-lo e assim receber pelo menos 1 pontinho de glória, afinal, ele vai morrer mesmo).
No TBKC o jogador não é eliminado do jogo, sua nave "revive" na parte de baixo da tela mantendo todas as armas. Destruir as naves de seus oponentes no TBKC serve apenas para lhe dar pontos de Glória - o que torna isso algo tão divertido quanto destruir inimigos.
MISSÕES, POWERUPS E RECOMPENSAS
Para acrescentar elementos TÁTICOS ao jogo (estamos falando de um boardgame não é mesmo?), THE BATTLE AT KEMBLES CASCADE oferece algumas agradáveis surpresas em sua mecânica.
Todo jogador começa com uma carta de MISSÃO, que deve ficar aberta em sua ficha a vista de todos e a medida que os objetivos da missão vão sendo cumpridos, coloca-se marcadores na carta até que a missão seja finalizada.
Para ajudar nossos incautos heróis a sobreviver às primeiras ondas de inimigos sem nenhum armamento pesado o jogo oferece os POWER UPS, cartas táticas importantes para serem usadas em situações específicas.
Por fim (e não menos interessante) temos os ACHIEVEMENTS, ou "recompensas", aquelas premiações um tanto malucas que todo jogo dá aos jogadores quando estes alcançam algum objetivo obscuro no jogo. Por exemplo, você pode receber glória ao ser atingido por um asteroide ou comprar uma certa quantidade de armas, entre uma infinidade de outras recompensas. Por mais bobo que isso possa parecer, estes prêmios acrescentam um fator diversão muito bacana ao jogo.

Acheviements ficam disponíveis a todos e quem cumpri-los primeiro ganha GLÓRIA como recompensa.
"MEU DEUS, AQUILO NÃO É UMA LUA... É UMA ESTAÇÃO ESPACIAL"
Ok, você está se desdobrando para escapar de uma chuva intensa de tiros de todos os lados, sua energia dá seus últimos soluços e quando acha que nada pode ficar pior, repentinamente todos os inimigos somem da tela... aquele "silêncio ensurdecedor" invade o cenário, você acha aquilo tudo estranho e pensa "tem alguma coisa errada...".
Então sua tela começa a ser preenchida com alguma coisa grande... não, não é grande não, é enorme, espere, é pior ainda, é GIGANTESCA!
Bem, tirando a parte do "todos os inimigos somem da tela" (aqui eles não somem), o resto é tudo igualzinho.
Ao final do deck dos inimigos existirá uma carta de um BOSS, um chefão de fase que irá decretar o fim do jogo. O jogo oferece 4 chefões mas apenas 1 deve ser sorteado. Os chefões são vistosos, imponentes e ameaçadores (como chefes desse tipo de jogo devem ser). Eles ocupam toda o comprimento horizontal do tabuleiro (toda a tela) e cada parte dele pode ser atacada separadamente, possuindo sua própria resiliência bem como pode ser imune a alguns tipos de armas.

Com poucos jogadores apenas poucas partes de um chefe aparecem.
Pelo fato de ocuparem toda a extensão da tela é impossível escapar de seus tiros salvo se o jogador conseguir se esconder atrás de algum objeto, o que lhe dá uma pequena chance para recuperar sua energia.
Para piorar, se você não obter disparos suficientes para destruir uma parte do chefão, ele se restaura por completo no turno seguinte, ou seja, os acertos não são cumulativos, o que exige que os jogadores tenham armas pesadas para enfrentá-los ou escolham partes mais fracas para atacar. Algumas partes destruídas podem dar dano em todos os jogadores na tela.

Já com vários jogadores a coisa fica feia e os CHEFÕES aparecem por completo, podendo ocupar até mesmo 2 linhas inteiras da "tela".

Alguns chefes são mais casca grossa que outros. BANSHEE é um chefe que você vai torcer para não aparecer...
CONCLUSÃO
Sempre imaginei como seria um jogo de nave portado para o tabuleiro mas sempre achei uma utopia, afinal, estamos falando de um jogo de ação frenética em tempo real, me parecia impensável conseguir transformar isso num jogo de turnos e ainda assim abstrair a mesma ação frenética que o jogo real possui. Ok, esqueçamos a ação frenética, isso não existe quando se joga por turnos, mas em essência o que vale é a imersão que o jogo proporciona.
A forma como THE BATTLE AT KEMBLES CASCADE tenta simular um jogo de tiro é no mínimo admirável. Os principais elementos de um jogo de tiro se fazem presentes: Naves de vários tipos, rolagem de tela, upgrade de armas com vários níveis, variadas formas alienígenas, tiros por todos os lados e, é claro, os CHEFÕES das fases, todo este arsenal de itens sem uma única rolagem de dados. Não se tratra apenas de inimigos que surgem na tela para atacá-lo, temos também inimigos que são indestrutíveis, portais de teleportação, asteroides, túneis entre outras surpresas que agragam uma série de elementos táticos ao jogo. Se acrescentarmos as cartas de missões, powerups e achievements, é quase como transformar sua mesa numa tela vertical de TV (só falta o controle). Só confesso ter sentido falta das BOMBAS, aquela arma devastadora que salva você da morte certa em momentos cruciais.

Se como um simulador de jogos de nave TBKC manda super bem, como jogo de tabuleiro ele sofre dos mesmos problemas que outros jogos. O canhão de RAIOS GAMA por exemplo é uma arma desbalanceada, você pode aniquilar um monte de inimigos com ele rapidamente.
Outra duas coisas que destaco negativamente TBKC: Falta de "habilidades especiais" para cada piloto e quantidade de "vidas" ilimitada. Todas as naves são iguais podendo receber as mesmas armas e para um jogo cooperativo/competitivo esse tipo de mecanismo faz falta (não faz parte da simulação de um jogo de nave mas faz parte do lado "boardgame" do jogo).
O jogo também não limita a quantidade de vidas dos jogadores - você pode morrer e retornar para o jogo indefinidamente. Se por um lado isso torna o jogo mais DIVERTIDO, por outro lado ele perde em DESAFIO. Isso quer dizer que o jogo não tem fim? Sim, ele tem fim e o GAME OVER ocorre quando o BOSS é destruído ou todas as partes dele que podem dar PONTOS DE GLÓRIA são eliminadas (não sendo necessário portanto destruí-lo por completo). Mas isso se trata de um problema menor tendo em vista que os próprios jogadores podem limitar sua quantidade de vidas.
Talvez o ponto mais falho do TBKC seja A DEFINIÇÃO DA ORDEM DE JOGO. Esta ordem é definida por sorteio (compra de cartas) e trata-se de uma decisão importante. Quem jogar primeiro terá a chance de escolher o local mais seguro para se esconder ou ainda atacar primeiro os inimigos mais valiosos (que dão mais glória, principalmente os chefes). Se por um lado isso reduz o famigerado DOWNTIME (que aliás é bem baixo tendo em vista a pouca quantidade de ações disponíveis para cada jogador), por outro lado acrescenta um fator sorte desnecessário ao jogo.
THE BATTLE AT KIMBLES CASCADE é um jogo fácil de ser jogado portanto perfeitamente acessível a jogadores casuais - apesar do seu tema ser um tanto voltado para um público mais específico.
Definitivamente podemos dizer que TBKC é uma espécie de "Carta de Amor" aos jogos de nave. Misturando vários elementos clássicos de jogos deste tipo junto com elementos táticos de um boardgame, é um casamento (quase) perfeito entre a simulação e a diversão.
Se você é fã de jogos deste tipo, não há como não se impressionar. Se não é fã, pelo menos terá a chance de ter jogado um boardgame de combate tático bem diferente do que está habituado.
1 UP:
- Bandejas para colocar as cartas das naves inimigas ajuda bastante na montagem do cenário;
- Armamento disponível bastante fiel aos jogos deste estilo;
- Setup inicial incrementa a dificuldade do jogo conforme novos inimigos entram na tela;
- Presença de "chefes de fase" deixam o jogo bastante desafiante;
- Regras simples o tornam perfeitamente acessível a jogadores casuais;
- Permite cooperação, competição ou partidas solo;
- Baixo Downtime;
PERDE UMA VIDA:
- Ausência de habilidades especiais para os pilotos/naves;
- Material das bandejas para acomodar os inimigos e formar a tela deixa a desejar;
- Definição da ordem de jogo por sorteio pode incluir o fator sorte para obtenção da vitória;
- Necessário limitar a quantidade de vidas por jogador para tornar o jogo mais desafiante;