No post anterior, eu escrevi sobre um cardgame de construção de bombas atômicas. Continuando na mesma linha, agora vamos de um cardgame em que os jogadores tentam lançar bombas atômicas uns sobre os outros. Assim como
The Manhattan Project: Chain Reaction,
Deterrence 2X62 nos coloca também em uma corrida armamentista. Mas, no jogo do brasileiro Paulo Santoro, recém lançado pela Funbox Editora, só há espaço para dois jogadores, já que o contexto é a Guerra Fria.
Enquanto o cardgame da Minion Games aborda o tema com leveza, aqui temos uma abordagem muito mais séria, o que é notável por sua complexidade estratégica.
Deterrence 2X62 é aquele jogo fácil de aprender, mas difícil de dominar. Um trabalho incrível de game designer, pois alcança alto grau de profundidade utilizando pouquíssimos componentes.
Deterrence 2X62 é uma reimplementação no formato carta de um jogo de tabuleiro lançado alguns anos atrás, antes do boom recente do hobby. O que sei sobre o
Deterrence original é que foi considerado já em sua época um bom jogo, mas que a qualidade dos componentes deixava bastante a desejar. Não tive curiosidade de pesquisar mais sobre o assunto. A versão atual situa a Guerra Fria em um universo alternativo em que o conflito continuou evoluindo ao longo dos séculos, por isso o nome.
A questão do lore é irrelevante em termos de jogo, sua única contribuição foi na bela arte das cartas. Eu gosto muito de combates utilizando robôs. A paleta de cores apesar de notavelmente variada, segue um tom bem sóbrio, mesmo quando temos uma paisagem diurna. Os desenhos sempre são em um ângulo mais fechado. Só tem uma carta que foge ao padrão descrito, parece ter sido feita só para atiçar mais um pouco a imaginação, o aspecto retrofuturista me agradou.
Cartas de cidade.
Cartas de construção.
As ilustrações são de dois artistas orientais, talvez por isso eu tenha sentido um gostinho de anime, apesar de pelos nomes se notar que não são japoneses. Um é de Taiwan e o outro da Tailândia. Vale a pena dar uma olhada no portfólio deles:
Jay Zhou e
Tithi Luadthong. Interessante que ao fazer isso, puder verificar que os desenhos originais eram mais claros, então a decisão de alterar para um tom mais escuro partiu do designer gráfico do jogo, acredito eu. O trabalho do Luis Francisco com a layout das cartas e a iconografia ficou fantástico. Tudo muito limpo e claro, sem sobras.
Apesar disso tudo, o grande destaque de
Deterrence 2X62 é a sua mecânica simples e elegante, que realmente te passa a tensão do conflito. A grande ameaça se formando, tudo sendo preparado para conseguir realizar o ataque derradeiro. A arte e o design das cartas estão presentes como ótimas coadjuvantes, não disputando atenção com o jogo em si, um equilíbrio bastante difícil.
Sendo um jogo que utiliza como tema a Guerra Fria, cada um dos jogadores assume um dos lados da disputa: EUA e URSS. Cada potência possui quatro cartas de cidade no jogo, que serão posicionadas sempre da mesma forma. Isso ocorre porque o jogo tenta simular a distância real entre as cidades, quais estão mais próximas ou mais distantes uma das outras. O jogador da URSS sempre começa o jogo, mas ele só pode realizar uma ação.
Setup montado.
Os jogadores começam com quatro cartas na mão e podem realizar duas ações, mais uma opcional de movimento. As ações são: baixar carta em uma cidade, baixar um tratado, declarar ataque e declarar paz. Vence o jogo que conseguir realizar uma das duas últimas ações com sucesso. E a ação opcional deve ser só pode ser realizada antes das ações principais do turno. Depois disso, vem a fase de compra de cartas, o que pode ser feito de forma fechada ou aberta.
As cartas possuem os seguintes símbolos: míssil, anti-míssil, alcance, recurso, comando e tratado. Cada carta de cidade possui alguns de símbolos e os jogadores vão baixando as chamadas cartas de construção para reforçar cada vez mais suas cidades, porém não se pode baixar no mesmo turno duas cartas em uma só cidade. O míssil é o poder de ataque, antimíssil é a defesa, o alcance é a quanto de distância pode chegar o seu ataque, recurso serve para o tratado de paz, comando é necessário ter direito de realizar ataque e tratado é baixado fora da cidade. As cartas também podem possuir um símbolo de X para parte de baixo, isso significa que a carta não pode sofrer ação de movimento.
Mostrando melhor os símbolos no jogo: míssil, comando, X, tratado, alcance, anti-míssil e recurso.
Baixar suas cartas nas cidades é a principal ação do jogo. Um ataque só pode ser declarado após cada cidade possuir pelo menos duas cartas em cada uma de suas cidades, a quantidade de cartas baixadas pelo oponente não é levada em consideração. Além disso, é desafiador a manutenção do equilíbrio das cidades, como defender todas elas. Conseguir identificar as suas vulnerabilidades ao mesmo tempo que tenta localizar as do inimigo. Isso mantém um clima de tensão crescente durante o jogo e não dá espaço para que ocorra qualquer downtime. Uma distração e você será derrotado.
Todas as cidades com duas cartas.
Para realizar um ataque o jogador precisa ter cartas com símbolo de comando, míssil e alcance. Sendo esse último, uma das questões mais desafiadoras, principalmente se quiser que o ataque parta das cidades do meio. Demora um pouco para pegar bem o jeito. E é muito importante prestar atenção no alcance inimigo, porque é mais comum se preocupar com uma cidade mais próxima e desconsiderar uma mais distante.
Preparada para Declarar Ataque.
Ao declarar ataque o jogador precisa estar certo que a cidade inimiga não tem anti-míssil suficiente para se defender, nem condições de retaliar, ela não precisa ter comando, apenas alcance. As cidades vizinhas também podem realizar retaliação. Nesse caso, elas precisam ter comando, além de alcance suficiente. A vitória militar no jogo, só ocorre quando o jogador consegue destruir uma cidade inimiga, sem que nenhuma das suas seja atingida. Deterrence 2X62 é um jogo de apenas um único ataque.
A cidade atacada, mais a frente, não tem condições nem de defender nem de retaliar, já a cidade vizinha poderia retaliar se tivesse um míssil a mais.
Outra possibilidade de vitória é através da assinatura de tratados. Uma carta com simbolo de tratado é baixada fora da área de cidade do jogador e todos os seus demais símbolos são ignorados. Quando um tratado é baixado na mesa, nenhuma declaração de ataque pode ser feita por ambos os lados. Uma carta de tratado só é retirada da mesa quando o oponente também baixa uma carta de tratado. Os tratados se anulam e ambas as cartas saem de jogo. Para vencer o jogo através da assinatura de tratados é necessário conseguir acumular três cartas desse tipo no jogo e ter mais recursos que o oponente, em caso de empate vence a URSS. Pode ocorrer de nenhum jogador conseguir vencer nem pela Declaração de Paz e nem pela Declaração de Ataque. O jogo acaba com o fim das cartas, nesse caso a vitória é de quem tiver mais recursos.
O jogo também oferece uma variante chamada Modo General. A única alteração ocorre no sistema de compra de cartas. A ideia é tirar a aleatoriedade e permitir que os jogadores interfiram nas jogadas uns dos outros acrescentando ainda mais competitividade. No Modo General temos 3 filas com 3 cartas em cada uma delas, sendo que só podem ser compradas as cartas da coluna final, essa posição é marcada pelo deck que sempre fica no início. Durante a fase opcional de movimento, o jogador pode mover as cartas da coluna final, seja para atrapalhar o oponente ou para benefício próprio. Isso eleva o nível de estratégia. Mas como sou apenas uma iniciante no jogo, ainda não experimentei essa variante, mas pela leitura de sua descrição no manual, parece ser bem interessante.
Por falar em manual, achei que ele tem uma qualidade bastante boa. A leitura é fácil e agradável, está bem diagramado e exemplificado. Achei que o guia de ação que vem para cada jogar também está muito bom. Ele resume de maneira bem completa as principais questões. Não sendo necessário consultas ao manual no meio do jogo.
Guia rápido de cada jogador.
A Funbox Jogos está super de parabéns por investir nesse jogo tão fantástico, que foge um pouco do lugar comum dos temas normalmente visto em lançamentos nacionais. A qualidade como eu já disse está incrível: a arte, a parte gráfica e a mecânica. É um jogo muito elegante, para quem curte altas doses de estratégia, mas que pode ser carregado e jogado em qualquer lugar. Nesse ponto, me lembra um pouco Pocket Battles, um wargame de bolso sensacional da Z-Man. Engraçado que eu escrevi sobre ele há exatos dois anos atrás. Como se já não fosse suficiente todas as qualidades já mencionadas, Deterrence 2X62 foi lançado a um preço inacreditavelmente baixo - R$39,90. Corre lá no site que ainda está disponível. Para não dizer que não falei mal de nada, a caixa do jogo deixa um pouco a desejar. Acho que foi onde economizaram para conseguir chegar a um preço final tão bom.
Postado originalmente em: http://turnoextra.blogspot.com.br/2016/04/deterrence-2x62.html