Se eu chegar para jogar com o Terraforming Mars na sacola não tem outro jeito, vai pra mesa imediatamente. Sim, virou vício. Está no topo da vontade do meu grupo. E mesmo depois de vinte partidas em três meses, o entusiasmo continua assim, parece que esse jogo só melhora.
Os tabuleiros de acrílico que fiz já valeram o investimento. E são fundamentais para evitar esbarrões acidentais ou outros erros que ocorrem frequentemente com o tabuleiro individual original. A produção deste componente poderia ser melhor. Quem sabe nas próximas edições?
Desde a escolha da empresa e das cartas iniciais até o fim, a experiência completa da partida é muito gratificante, mesmo após uma derrota cruel. A quantidade de cartas e os variados modos como elas se combinam dão ao jogo uma ampla sensação de rejogabilidade. É terminar a partida e em seguida pensar algo diferente, corrigir esta ou aquela estratégia. Mas nem tudo são flores. A grande crítica ao jogo se dirige justamente à aleatoriedade das cartas.
E depois de um punhado
de partidas, não dá mais para
culpar a sorte nas cartas, ou azar,
pelas derrotas.
Em uma partida, cada jogador recebe umas quarenta cartas diferentes. Para uns, esta aleatoriedade influencia demais o resultado da partida e não é muito bem-vinda para um jogo que normalmente dura mais de duas horas. Após vinte partidas posso afirmar que sim, a sorte está presente em todos os turnos de jogo ao recebermos quatro novas cartas e que, mesmo assim, também posso afirmar que não, definitivamente a sorte não é determinante para a vitória. E depois de um punhado de partidas, não dá mais para culpar a sorte nas cartas, ou azar, pelas derrotas.
Parte do prazer de jogar
Terraforming Mars está justamente na expectativa das cartas que virão a cada novo turno. Podemos chamar de sorte, mas tem muito mais coisas envolvidas. A sorte é só o ponto de partida. Em um primeiro momento, ter muita sorte significa que as cartas encaixaram na estratégia planejada, no momento favorável da partida, no custo acessível. Ter muito azar significa que nenhuma carta se encaixa no que se está pretendendo fazer. Mas mesmo no pior cenário, ainda tem jeito de se usar o dinheiro economizado com a compra de zero cartas e fazer outras ações interessantes e proveitosas, que poderão favorecer cartas e situações futuras. E tem mais, vir com as quatro cartas boas pode não ser essa sorte toda. Encher a mão de cartas boas não significa que o resultado será bom. Muitas vezes é melhor comprar só uma ou duas cartas apenas porque todas as cartas custam $3 para ir para a mão e isso pode significar não ter mais dinheiro para baixar a carta no mesmo turno, atrasando uma estratégia e o timing é tudo em um jogo onde a condição de fim consiste em três linhas de tempo (temperatura, oxigênio na atmosfera e nove oceanos).
No instante em que recebemos as cartas, pensamos: - Será que recebi cartas que ajudam a produção de plantas, ou de aço ou de titânio? Conseguirei as cartas para o combo de produção de animais e de micróbios que estou planejando? Preciso de tags de ciência e de mineração, veio alguma? Estou com a empresa que ajuda a baixar cartas com tag de energia, puxa vida, mas não veio nenhuma até agora! É esse tipo de coisa que acontece sempre. E essa expectativa é mais interessante do que em outros jogos de cartas porque o jogo não se limita a isso e também porque, de modo geral, as cartas permitem fazer coisas ou legais ou muito legais. Não tem uma carta que seja muito ruim ou totalmente inútil. O princípio das cartas é fazer tudo melhorar. Somente uma carta em todo o deck é exclusivamente voltada para atrapalhar um adversário e ela se chama apropriadamente “Sabotagem”.
As cartas podem ser classificadas em boas, muito boas e excelentes. E em sub-grupos assim: tem cartas boas que são melhores no início da partida, outras no meio, outras no fim. Algumas cartas são impossíveis de se construir no início ou porque são caras ou porque tem requisitos que vão demorar para acontecer, como ter cinco oceanos no tabuleiro. Então surge um dos desafios: devo comprar esta carta agora e guardar na mão, gastando $3 para esperar o momento de baixá-la ou deixar passar e esquecer esta possibilidade? Como deixar passar uma carta muito boa confiando que logo aparecerá uma carta excelente? Nos primeiros turnos, quando o ritmo de recebimento de dinheiro ainda está baixo, recebendo em torno de $20-$23, talvez não valha a pena gastar $12 para comprar todas as cartas boas e ficar sem dinheiro para baixá-las na mesa, tendo que aguardar outro turno quando outras cartas possivelmente boas chegarão. Por isso, acho que o TfM consegue fazer da aleatoriedade um elemento desafiador atraente mesmo para
gamers mais avessos a imprevisibilidades.
A essência do jogo está em conseguir gerenciar o equilíbrio entre a gestão dos recursos e do dinheiro, a escolha das cartas a serem compradas para a mão, o investimento para baixá-las na sequência correta, a escolha de colonizar certos espaços do tabuleiro, o direcionamento para tentar realizar algum objetivo imediato e patrocinar as premiações de fim de jogo.
Como apenas três objetivos podem ser cumpridos, assim que o primeiro jogador faz um deles seja com três florestas ou três cidades ou baixou oito ícones de produção de aço (normalmente estes são os primeiros a serem feitos) a corrida pelos outros dois bônus de cinco pontos fica mais acirrada. O mesmo acontece com os prêmios de fim de jogo. Assim que alguém patrocina o primeiro, a atenção em torno do que poderá será patrocinado aumenta. Isto faz um efeito muito interessante, cria tensão entre os jogadores.
Outro elemento muito bem construído é o modo como as trilhas de terraformagem ditam o ritmo da partida. Assim que um dos três parâmetros se completa, claramente a partida está próxima do fim. Talvez dure mais dois ou três turnos. E começamos a olhar aquelas cartas mais caras que ainda estão na mão e pensamos se conseguiremos baixá-las.
Até que então o jogo termina e temos uma ideia sobre quem foi bem, mas não dá para saber com certeza quem foi melhor (embora a pontuação seja quase toda aberta e se alguém realmente quiser contar os pontos de todos na cabeça antes, é possível fazer). Os pontos do tabuleiro com florestas e cidades são muito importantes, assim como pontuar com um bom conjunto de cartas.

Só não gostei de jogar a variante com draft de cartas, escolhendo uma e passando até completar a mão com quatro cartas para só então decidir o que lhe interessa comprar depois de saber muitas outras cartas que rodaram nas mãos dos outros. Joguei uma partida apenas e ninguém gostou. Além de aumentar muito o tempo de partida, a grande maioria das cartas é muito boa e a sensação de se estar escolhendo entre cartas boas para seu próprio jogo ou impedindo que os adversários consigam boas cartas é desnecessariamente frustrante. Se fosse um jogo onde o principal fosse bloquear os outros, isto seria bem-vindo. Mas não parece combinar com a boa sensação de realização presente neste jogo quando se consegue alguma meta.