Hudson Goulart::rodrego::
Volta às origens
Você sabe o que vem na história do rock no final dos anos 70, não sabe? Isso mesmo, o punk rock.
Os punks tinham horror à erudição dos progressivos e ao espalhafato do rock de arena. Voltaram aos 3 acordes e tocavam eles mal - com orgulho. Não precisa ser estrela nem se formar em escola de música pra ser roqueiro. Depois do punk, Deep Purple, Led Zeppelin, Aerosmith, todos viraram dinossauros.
Nos paralelos entre o rock e os jogos modernos, está faltando alguém pra ser os Sex Pistols. Jogar a caixa do Agra do telhado como eles pichavam I HATE em cima da camisa do Pink Floyd.
Pela cronologia, já era para ter acontecido. Os punks eclodiram em 1976, 21 anos depois de Bill Haley explodir com Rock Around the Clock. 21 anos depois de Catan foi em 2016.
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Candidatos a punks
Será que não teremos um movimento punk? Ou será que está prestes a acontecer? Quem seriam os principais candidatos?
Por um tempo, pensei que podiam ser os jogos legacy. Rasgar carta, riscar tabuleiro, parece ter tudo a ver. Mas os legacies rapidamente ficaram mais “domados”. Poucos são os que se arriscam a mandar você picotar alguma coisa hoje em dia. E nenhum deles quebrou as barreiras de entrada para o hobby, pelo contrário: legacies tendem a ser mais caros e mais complexos do que jogos normais, fora o compromisso de tempo necessário.
Depois achei que podiam ser os roll and writes. Nada mais back-to-basics do que um jogo de papel, lápis e alguns dados. Mas eles acabaram ficando todos meio parecidos entre si (bom, justiça seja feita, bandas punk também são meio parecidas), e mais do que isso, nenhum deles teve a força de um Ticket to Ride ou um Carcassonne para romper barreiras e seduzir gente de fora do hobby. Não adianta começar um movimento punk se pouca gente estiver prestando atenção.
Hoje minhas esperanças estão com Elizabeth Hargrave e seu Wingspan.
Wingspan vendeu mais de 1 milhão de cópias em 3 anos - isso é um sucesso no mesmo patamar de Pandemic, Dixit ou Azul. E teve um apelo enorme fora do nicho: saiu em inúmeros artigos de jornal, foi jogado por celebridades, mesmo não sendo um jogo tão simples.
O tema de natureza, que fez muitos editores torcerem o nariz quando ela procurava uma casa para o jogo, talvez seja sua maior sacada. Eram poucos antes do Wingspan, e depois dele, há cada vez mais.
Desconfio que o jogo tenha começado um discreto movimento punk. Ele evita os temas medievais, espaciais, chtulu, que só apelam ao público nerd, e volta ao básico, da mesma forma como os Ramones queriam só cheirar cola (Now I Wanna Sniff Some Glue) em vez de discursar sobre Tristão e Isolda.
Calico, Cascadia, Ilha dos Gatos, New York Zoo, Mariposas, são todos jogos sobre natureza, de peso leve para médio que tiveram grande sucesso depois de Wingspan.
Pode ser esse o de-volta-ao-básico que os jogos modernos estão precisando? Ou é só wishful thinking?
Torço para que realmente haja uma onda de jogos com temática de natureza ou científica. Pois adoro esses temas.
Não sei se sou representativo do público em geral. Mas sei que temas de natureza ou de ciência me atraem muito mais que temas medievais, espaciais, super-heróis, ou qualquer coisa com cheiro de RPG. Em especial, abomino qualquer referência à feitiçaria. Feitiços, magias, esoterismos japoneses ou hindus, etc, estão longe de serem um atrativo para mim. Pelo contrário, me repelem.
Também tenho uma predileção pessoal por temas "pé no chão", cara. Não necessariamente natureza ou ciência, mas coisas que são encontradas no mundo real. História, cidades, profissões, atividades cotidianas, esses temas para mim são mais chamativos. Mas não acho que sejamos maioria.